quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Sara Ocidental: O risco de guerra com Marrocos está «bem presente»


Tifariti – Mohamed Abdelaziz, secretário-geral da Frente Polisário e presidente da Republica Árabe Saraui Democrática (RASD) declarou à PNN que o reinício da guerra com Marrocos «é um risco bem presente».
«Esta situação nem de guerra nem de paz começa a ser insuportável» afirmou à PNN um militar da Frente Polisário que participou nas guerras da década de 70 e 80. «Dêem-nos armas que vamos chegar até Rabat (capital de Marrocos)» disse enervado um jovem da Polisário que nunca conheceu a costa Atlântica do Sara Ocidental ocupado por Marrocos.

Depois de 17 anos de tréguas, que deveria para permitir à ONU de preparar um referendo neste território maioritariamente desértico, após o fracasso de quatro «rounds» de negociações directas entre a Polisário e Marrocos com a mediação das Nações Unidas, o clima de tensão dispara junto dos sarauis instalados nos campos de refugiados no triângulo fronteiriço argelino de Tindouf. Os jovens querem «regressar às armas», os veteranos ainda acreditam na diplomacia mas compreendem a posição da juventude.

Quando se pretende consolidar a União do Magrebe Árabe (UMA) e criar alicerces para a União pelo Mediterrâneo (UPM), o espectro do retorno à guerra nesta zona ocidental do Magrebe começa a atingir o cume da tensão com um cenário de abrasamento na encruzilhada das fronteiras do Sara Ocidental, Marrocos, Mauritânia e Argélia.

«A paciência tem limites» afirmou Mohamed Abdelaziz à PNN: «O retomar das hostilidades é um risco bem presente. É uma opção que pretendemos evitar, mas confirmo que o regresso à guerra é uma opção real e para a qual nós estamos a preparar, caso sejamos obrigados no quadro de uma politica de defesa legitima» disse reconhecendo que a Polisário manifestou à ONU ainda estar disposta a negociar com Marrocos, todavia Ban Ki Moon, secretario geral das Nações Unidas, «ainda não designou os mediadores nem disse o que vai fazer», além da data do V round das negociações permanecer ainda uma incógnita.

Para Mohamed Abdelaziz existem contudo sinais de esforços da comunidade internacional e realçou que o Parlamento Europeu «mencionou a necessidade de resolver o problema do Sara Ocidental assente no respeito do direito internacional e do povo do saraui, e alertou também o presidente francês, Nicolas Sarkozy, que a UPM deve ter em consideração a existência deste problema próximo do Mediterrâneo. Espero que o problema do Sara Ocidental seja resolvido antes da criação da UPM» sublinhou o secretário-geral da Frente Polisário.

POVOAR O DESERTO

Após 17 anos de tréguas e cessar-fogo a Frente Polisário decidiu, durante o congresso de Dezembro de 2007, desenvolver a chamadas «zonas libertadas» que permaneceram também num impasse de desenvolvimento devido ao receio de eventuais bombardeamentos e ataques das forças marroquinas. «O congresso decidiu de construir nas zonas livres do Sara Ocidental enquanto espera pela solução final do problema» confirmou Mohamed Abdelaziz à PNN. «Tifariti é uma localidade que se encontra nos territórios livres do Sara Ocidental. Além de Tifariti, as localidades de Bir Lahlo, Mehairiz, Bir Tiblissit, Mijek, Agghouinit, Dougue e Zoug» estão também abrangidas pelo programa de desenvolvimento.

«Hoje existem, de uma forma geral, nómadas em toda a região que estão ligados a estas localidades onde se abastecem de água, carburantes, bens e tratamentos, dado que já aí existem hospitais e dispensários», explicou o secretário-geral da Polisário: «estamos a elaborar um projecto desenvolvimento desta região, onde, Tifariti é o ponto mais interessante e a prioridade dado que geograficamente é uma localidade que tem muitas condições favoráveis além de ser um ponto estratégico. Tifariti já dispõe de um hospital, escola, estão em curso a construção de habitações, colocamos a primeira pedra para a construção de uma mesquita, um parlamento, uma barragem, um estádio e pensamos na construção de um aeroporto».

PORTUGAL COMO EXEMPLO

A acção portuguesa pela independência de Timor-Leste é sempre citada pela Frente Polisário como o exemplo que a Espanha (antiga potencia colonial no Sara Ocidental) deveria seguir. «Portugal é um país do sul da Europa que tem relações com a nossa região, quer dizer com o Magrebe, é um país que tem uma boa experiencia da descolonização, principalmente o caso de Timor Oriental, daí espero que Portugal tenha um papel semelhante no Sara Ocidental como teve em Timor» considerou Mohamed Abdelaziz, prosseguindo: «é um país interessante, influente na Europa e no quadro nas Nações Unidas, assim convido Portugal a defender o referendo livre no Sara Ocidental que permita a descolonização do nosso país, para que possamos, nós e a Europa, principalmente a Espanha e Portugal, nos lançarmos numa cooperação mais rentável para todos nós.»

Mohamed Abdelaziz lamentou que Portugal assinasse o acordo de pescas nos territórios marítimos do sara ocidental e considera que Lisboa foi «influenciada por países da UE na assinatura do «acordo ilegal de pescas entre a UE e o Governo de Marrocos, onde encontramos Portugal ao lado da França e da Espanha» acusou o secretario geral da Frente Polisário.

Sara Ocidental: Um Estado à espera de ser Estado


Rabuni – Enquanto aguardam que a ONU exija a aplicação do referendo no Sara Ocidental, todas as estruturas de um Estado independente já funcionam nos campos de refugiados sarauis instalados numa zona desértica do sudoeste argelino.
Um dos melhores argumentos que a Frente Polisário constituiu perante a comunidade internacional para sustentar que está pronta a assumir as rédeas do Sara Ocidental assenta na criação de todas as estruturas de um Estado independente na vasta região próximo de Tinduf, sudoeste argelino, onde vivem cerca de 125 mil refugiados da antiga colónia espanhola. Em 1975 Madrid decidiu abdicar do seu domínio colonial sariano deixando o território à mercê de Marrocos e da Mauritânia que tiveram de fazer face à resistência armada saraui da Frente Polisário, uma história semelhante à ocupação indonésia em Timor.

Um ano após a retirada espanhola a Frente Polisário proclama, a 27 de Fevereiro, na pequena localidade de Bir Lahlo, um oásis situado nos territórios desertos do Sara Ocidental controlados pelo movimento, a independência da RASD (República Árabe Saraui Democrática), onde a omnipresença do movimento de libertação saraui está patente em todas as suas estruturas.

Em poucos anos a RASD tornou-se a arma diplomática mais potente da Polisário. É um Estado semi virtual que conseguiu obter o reconhecimento real como um Estado de direito no seio da Organização da Unidade Africana (OUA), actual União Africana (UA), permitindo-lhe assim a abertura de embaixadas em todos os países que reconheceram a sua legitimidade. Uma gigantesca vitória diplomática da Polisário que precipitou a retirada de Marrocos da OUA. Nos países, como Portugal, que não reconhecem o Estado saraui a Polisário abriu «representações» que funcionam como consulados.

A RASD desenvolve-se nos acampamentos de refugiados na Argélia como um Estado no exílio desde há 33 anos. Teoricamente deveria estar instalada nos territórios controlados pela Polisário, que representam cerca de 30 por cento do Sara Ocidental. Mas, nesta faixa desértica que acompanha a linha de «choque» com os territórios controlados por Marrocos, onde Rabat construiu o maior muro «defensivo» do planeta, vivem apenas cerca de 20 mil sarauis maioritariamente nómadas. Perante as críticas marroquinas que acusavam a Polisário de deixar ao abandono os territórios que controla, o movimento saraui decidiu desenvolver e repovoar esta região, dotando-a de estruturas administrativas fixas e de condições para a sedentarização da população. No entanto, a presença da Polisário permanece essencialmente militar e esta alega que não quer usar a sua população como escudo humano face às tropas marroquinas.

Partindo de Tinduf em direcção aos acampamentos, Rabuni é uma passagem obrigatória. É a «capital» administrativa dos acampamentos e onde se concentra todo aparelho de «Estado». Presidência, Governo, Ministérios dos Negócios Estrangeiros, Defesa, Cooperação, Justiça, Interior, Territórios Ocupados, Saúde e Cultura garantem a gestão dos campos, gerem a ajuda humanitária e elaboram as estratégias diplomáticas a seguir pela Polisário.

Para manter vivo o passado, foram atribuídos aos acampamentos de refugiados os nomes das cidades e localidades do Sara Ocidental controlado por Marrocos, como Layoune, Smara, Awserd ou Dakhla que assumem a designação de «wilayas», ou seja, distritos. Estas são subdivididas em «dairas» (freguesias) que congregam vários bairros que adoptaram também os nomes daqueles que estão nos denominados «territórios ocupados».

Cada «daira» dispõe de um dispensário que depende de um hospital assistido por médicos sarauis, maioritariamente formados em Cuba, que contam com o apoio permanente das representações espanhola e grega da ONG Médicos do Mundo.

Enquanto o sistema de saúde saraui tem conseguido evitar a propagação de epidemias nos campos, os refugiados sarauis são hoje vítimas de reduções drásticas da ajuda alimentar, da qual depende totalmente, consequência das «campanhas de intoxicação marroquinas» que acusam a Polisário de revender as ajuda humanitária na Mauritânia, explicou Salek Baba Hassena, Ministro da Cooperação.

Os sarauis são muçulmanos e encaram a prática religiosa como uma opção individual de cada fiel, rejeitando qualquer forma de integrismo ou fundamentalismo religioso. Esta atitude de tolerância religiosa justifica, segundo dirigentes da Polisário, a retracção no apoio à causa saraui de vários países árabes que preferem alinhar a sua posição por Rabat que decidiu ceder terreno politico aos islamistas como forma de combate ao integrismo.

As mulheres têm um papel vital na organização e gestão dos campos de refugiados, contrariando o hábito da maioria dos países árabes. Além de serem dominantes nos cursos de formação profissional nos acampamentos a presença feminina é também maioritária nos conselhos regionais das «wilayas» e «dairas».

Com o apoio de várias ONG e associações de solidariedade com a questão saraui, são realizados vários eventos invulgares em campos de refugiados como o festival internacional do cinema no Sara Ocidental, a Maratona do Sara, que terá lugar no final de Fevereiro e o festival de «Art Tifariti» que agrupa centenas de participantes de todo mundo. Todos os acampamentos recebem a Rádio Saraui, que dispõe de delegações em cada «wilaya», e em Rabuni já estão instalados os estúdios do futuro canal de televisão saraui, RASD-TV, que pretende ser difundido por satélite para 43 países.

Durante 34 anos de tortuoso exílio os refugiados sarauis souberam transformar o desgaste e a paciência em arma política e diplomática desenvolvendo o primeiro Estado independente virtual com um funcionamento real.

Sara Ocidental: A intifada esquecida


Rabuni – Todos os portugueses conhecem a intifada palestiniana mas a maioria desconhece que no segundo país mais próximo de Portugal, Marrocos, está em curso outra intifada reprimida com extrema violência pelo reino alauita.
«São vocês que têm de explicar porque é que a maior parte dos órgãos de comunicação social não falam na intifada saraui em Marrocos» reage Khalil Sidi M’Hamed, Ministro dos Territórios Ocupados e da Diáspora da República Árabe Saraui Democrática (RASD) quando questionado sobre o silêncio da imprensa internacional face à intifada saraui.

Desencadeada em Maio 2005 por estudantes sarauis da universidade de Rabat, a intifada tornou-se num quebra-cabeças para a monarquia marroquina que tenta abafar a existência de um levantamento saraui nos territórios do Sara Ocidental controlado por Marrocos mas já se estende a todo o país. Uma situação que não passou despercebida à delegação ad hoc do Parlamento Europeu que se deslocou no final de Janeiro a Layoune, como constatou a Amnistia Internacional.

Depois de ter defendido que a Frente Polisário era um movimento terrorista Rabat não hesita em reprimir com extrema violência qualquer manifestação pela autodeterminação do Sara Ocidental, e longe das paradisíacas fotografias turísticas Marrocos vai superlotando as suas prisões (foto) com amontoados de manifestantes acusados de serem perigosos destabilizadores do reino.

Uma concentração de jovens sarauis, a aclamação de um slogan pela autodeterminação ou desenhar clandestinamente uma bandeira da RASD resulta imediatamente numa reacção das forças de segurança marroquinas que multiplicam as detenções arbitrarias e submetem os «revoltosos» a múltiplas torturas frequentemente denunciadas pelas ONG’s internacionais.

As manifestações pacíficas transformaram-se entretanto em acções de resistência, e qualquer sinal de repressão degenera rapidamente numa chuva de pedras contra a polícia de choque marroquina. Imagens que Rabat tenta ocultar mas a Polisário, e os manifestantes sarauis, difundem através da YouTube e Dailymotion.

Qualificando de «guerrilha pacífica» Khalil Sidi M’Hamed afirma que a intifada saraui faz parte da «causa do povo» e da luta da Frente Polisário, «cada indivíduo que está nos campos de refugiados sarauis (na Argélia) tem um electrão na intifada» sublinha. Segundo o Ministro dos Territórios Ocupados e da Diáspora da RASD a acção da intifada provocou que Marrocos impedisse que ONG’s de defesa dos Direitos Humanos se deslocassem ao Sara Ocidental, onde Rabat tenta ocultar «valas comuns com vítimas sarauis».

Para Khalil Sidi M’Hamed a Intifada saraui «é como a Revolução Laranja (Ucrânia)», onde participam todas as camadas sociais, e garante que vai continuar a dilatar e alastrar por todo o território marroquino porque «quando um país está sob ocupação todos tornam-se resistentes».

Marrocos apenas reconhece cinco vítimas mortais da intifada, e a Polisário avança que desde 2005 a acção das forças de segurança marroquinas contra a «guerrilha pacífica» resultou em «centenas de vítimas», entre os mortos, feridos e torturados.

No último relatório da Human Rights Watch foi assinalado que os militantes sarauis e os defensores dos direitos humanos continuam a ser vítimas de «perseguições e assédio perpetrado pelas autoridades marroquinas que tentam desacreditar estes militantes acusando vários de utilizarem os direitos humanos com o pretexto para apoiarem “acções separatistas” da Polisário, por vezes com violência». Segundo a mesma ONG para os manifestantes sarauis a recusa marroquina do direito à autodeterminação é uma violação dos direitos humanos.

Face às pressões internacionais Marrocos foi forçado a levantar a pressão sobre as populações do Sara Ocidental e permitir a circulação dos activistas dos direitos humanos sarauis, os quais acabaram por se tornar nos símbolos da intifada e nos principais embaixadores das denúncias de violações dos direitos humanos praticadas nestes territórios. Foi este quadro que permitiu a Aminatu Haidar, sobrevivente das prisões e torturas marroquinas, se tornar na porta-voz itinerante das populações sarauis nos territórios do Sara Ocidental controlado por Marrocos e recentemente recebeu em Washington o prémio de defensora dos direitos humanos atribuído pelo Centro Robert F. Kennedy.

O bloqueio mediático à Intifada no Sara Ocidental prossegue dado que Marrocos não quer ver manchada a sua proposta de autonomia para o território o qual a Frente Polisário rejeita. Perante o impasse de um cessar-fogo que dura há quase duas décadas, dos fiascos acumulados das negociações entre Rabat e a Polisário sob os auspícios da ONU, e face à indiferença internacional relativamente ao «levantamento saraui» a intifada pode disparar e «tudo é possível acontecer a curto prazo», reconheceu Khalil Sidi M’Hamed.