quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Sara Ocidental: Um Estado à espera de ser Estado


Rabuni – Enquanto aguardam que a ONU exija a aplicação do referendo no Sara Ocidental, todas as estruturas de um Estado independente já funcionam nos campos de refugiados sarauis instalados numa zona desértica do sudoeste argelino.
Um dos melhores argumentos que a Frente Polisário constituiu perante a comunidade internacional para sustentar que está pronta a assumir as rédeas do Sara Ocidental assenta na criação de todas as estruturas de um Estado independente na vasta região próximo de Tinduf, sudoeste argelino, onde vivem cerca de 125 mil refugiados da antiga colónia espanhola. Em 1975 Madrid decidiu abdicar do seu domínio colonial sariano deixando o território à mercê de Marrocos e da Mauritânia que tiveram de fazer face à resistência armada saraui da Frente Polisário, uma história semelhante à ocupação indonésia em Timor.

Um ano após a retirada espanhola a Frente Polisário proclama, a 27 de Fevereiro, na pequena localidade de Bir Lahlo, um oásis situado nos territórios desertos do Sara Ocidental controlados pelo movimento, a independência da RASD (República Árabe Saraui Democrática), onde a omnipresença do movimento de libertação saraui está patente em todas as suas estruturas.

Em poucos anos a RASD tornou-se a arma diplomática mais potente da Polisário. É um Estado semi virtual que conseguiu obter o reconhecimento real como um Estado de direito no seio da Organização da Unidade Africana (OUA), actual União Africana (UA), permitindo-lhe assim a abertura de embaixadas em todos os países que reconheceram a sua legitimidade. Uma gigantesca vitória diplomática da Polisário que precipitou a retirada de Marrocos da OUA. Nos países, como Portugal, que não reconhecem o Estado saraui a Polisário abriu «representações» que funcionam como consulados.

A RASD desenvolve-se nos acampamentos de refugiados na Argélia como um Estado no exílio desde há 33 anos. Teoricamente deveria estar instalada nos territórios controlados pela Polisário, que representam cerca de 30 por cento do Sara Ocidental. Mas, nesta faixa desértica que acompanha a linha de «choque» com os territórios controlados por Marrocos, onde Rabat construiu o maior muro «defensivo» do planeta, vivem apenas cerca de 20 mil sarauis maioritariamente nómadas. Perante as críticas marroquinas que acusavam a Polisário de deixar ao abandono os territórios que controla, o movimento saraui decidiu desenvolver e repovoar esta região, dotando-a de estruturas administrativas fixas e de condições para a sedentarização da população. No entanto, a presença da Polisário permanece essencialmente militar e esta alega que não quer usar a sua população como escudo humano face às tropas marroquinas.

Partindo de Tinduf em direcção aos acampamentos, Rabuni é uma passagem obrigatória. É a «capital» administrativa dos acampamentos e onde se concentra todo aparelho de «Estado». Presidência, Governo, Ministérios dos Negócios Estrangeiros, Defesa, Cooperação, Justiça, Interior, Territórios Ocupados, Saúde e Cultura garantem a gestão dos campos, gerem a ajuda humanitária e elaboram as estratégias diplomáticas a seguir pela Polisário.

Para manter vivo o passado, foram atribuídos aos acampamentos de refugiados os nomes das cidades e localidades do Sara Ocidental controlado por Marrocos, como Layoune, Smara, Awserd ou Dakhla que assumem a designação de «wilayas», ou seja, distritos. Estas são subdivididas em «dairas» (freguesias) que congregam vários bairros que adoptaram também os nomes daqueles que estão nos denominados «territórios ocupados».

Cada «daira» dispõe de um dispensário que depende de um hospital assistido por médicos sarauis, maioritariamente formados em Cuba, que contam com o apoio permanente das representações espanhola e grega da ONG Médicos do Mundo.

Enquanto o sistema de saúde saraui tem conseguido evitar a propagação de epidemias nos campos, os refugiados sarauis são hoje vítimas de reduções drásticas da ajuda alimentar, da qual depende totalmente, consequência das «campanhas de intoxicação marroquinas» que acusam a Polisário de revender as ajuda humanitária na Mauritânia, explicou Salek Baba Hassena, Ministro da Cooperação.

Os sarauis são muçulmanos e encaram a prática religiosa como uma opção individual de cada fiel, rejeitando qualquer forma de integrismo ou fundamentalismo religioso. Esta atitude de tolerância religiosa justifica, segundo dirigentes da Polisário, a retracção no apoio à causa saraui de vários países árabes que preferem alinhar a sua posição por Rabat que decidiu ceder terreno politico aos islamistas como forma de combate ao integrismo.

As mulheres têm um papel vital na organização e gestão dos campos de refugiados, contrariando o hábito da maioria dos países árabes. Além de serem dominantes nos cursos de formação profissional nos acampamentos a presença feminina é também maioritária nos conselhos regionais das «wilayas» e «dairas».

Com o apoio de várias ONG e associações de solidariedade com a questão saraui, são realizados vários eventos invulgares em campos de refugiados como o festival internacional do cinema no Sara Ocidental, a Maratona do Sara, que terá lugar no final de Fevereiro e o festival de «Art Tifariti» que agrupa centenas de participantes de todo mundo. Todos os acampamentos recebem a Rádio Saraui, que dispõe de delegações em cada «wilaya», e em Rabuni já estão instalados os estúdios do futuro canal de televisão saraui, RASD-TV, que pretende ser difundido por satélite para 43 países.

Durante 34 anos de tortuoso exílio os refugiados sarauis souberam transformar o desgaste e a paciência em arma política e diplomática desenvolvendo o primeiro Estado independente virtual com um funcionamento real.

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